segunda-feira, 26 de abril de 2010

A inveja.

Ricardo Gondim

A inveja é a tristeza com o bem do outro. Nasce quando a excelência alheia é compreendida como diminuição do seu próprio valor. A inveja foi classificada como um dos pecados capitais pela igreja ainda no século IV, mas já constava na narrativa do Gênesis. Motivou o primeiro assassinato: Caim matou Abel porque não tolerou que o favor divino repousasse sobre a oferenda do irmão. Consta nas tábuas dos dez mandamentos que não se deve cobiçar nada do próximo.

A inveja tornou-se motriz de várias tramas literárias. Ninguém a retratou melhor do que William Shakespeare; e Otelo se destaca porque Shakespeare soube descrever como ninguém, os mecanismos que incitam ódio e ciúme a partir da inveja.

Otelo é um general reconhecido por triunfar nas batalhas terrestres e marítimas. Ao assumir a posição de chefe de Estado em Chipre, nomeia Cássio como seu braço direito. Mas suscita a inveja de Iago, que passa a conspirar contra ele. As desavenças que nascem daí e que caracterizam as tragédias shakespeareanas são horrorosas.

Iago destila uma suspeita mortal em Otelo, que o faz acreditar que sua esposa Desdêmona o trai com o tenente Cássio. O conflito entre o amor que o general nutre pela mulher e a desconfiança incitada por Iago leva Otelo a despencar de sua posição de herói. Debilitado psicologicamente, mata a amada, sufocando-a com travesseiros. Declarado assassino, Otelo é destituído do posto de general e sentenciado à prisão. Sem saída, tira a própria vida com um punhal, diante dos representantes do governo veneziano.

José Ingenieros declara que “a inveja é uma adoração dos homens pelas sombras, do mérito pela mediocridade. É o rubor na face sonoramente esbofeteada pela glória alheia. É o grilhão que arrasta os fracassados. É a amargura que toma conta do paladar dos impotentes. É um venenoso humor que emana das feridas abertas pelo desengano da insignificância própria. Mesmo não querendo, padecem desse mal, cedo ou tarde, aqueles que vivem escravos da vaidade; desfilam pálidos de angústia, torvos, envergonhados de sua própria tristeza, sem suspeitar que seu ladrido envolve uma consagração inequívoca do mérito alheio. A inextinguível hostilidade dos néscios foi sempre o pedestal de um monumento”.

Santo Tomás de Aquino dizia que a inveja é pecado mortal (portanto, imperdoável), com inúmeras filhas: “murmuração, detração, ódio, exultação pela adversidade, aflição pela prosperidade”.

A inveja é pior do que o ódio. O ódio não se contem, e devido a sua fúria, sempre age. A inveja por sua vez, cala. Covarde, procura sombras; para semear suspeitas, precisa do cobertor da noite. O invejoso rasteja para não mostrar-se consciente de sua pequenez. Dentro de uma tumba mal iluminada, gera a dúvida. Contenta-se com a desconfiança. Ingeniero afirma que o invejoso “sem coragem para ser assassino, resigna-se a ser vil”.

Salieri não admite que Amadeus tenha tanto talento. Constata que Mozart é um pecador desprezível e debochado, mas melhor do que ele. Salieri o encara como adversário. Incapaz de celebrar o dom que possui, passa a negá-lo no outro. Os Mozarts da vida precisam ser destruídos, mas os Salieris não serão os algozes. Como vermes, esperam a morte para finalmente festejarem a derrocada de quem o atormentava.

Ingenieros diz que toda a psicologia da inveja está sintetizada em uma fábula, digna de incluir-se nos livros de literatura infantil.

“Um ventrudo sapo grasnava em seu pântano quando viu resplandecer no mais alto de uma pedra um vaga-lume. Pensou que nenhum ser teria direito de luzir qualidades que ele mesmo não possuiria jamais. Mortificado pela sua própria impotência, saltou em direção a ele e o encobriu com seu ventre gelado. O inocente vaga-lume ousou perguntar ao seu algoz: Por que me tapas? E o sapo, congestionado pela inveja, apenas conseguiu interrogá-lo: Por que brilhas?”.

Nenhum comentário: